Textos: Mateus 16.18,19; Efésios 1.15-23; Romanos 12.3-8; I Coríntios 12.12ss.
Não há época do ano tão oportuna para refletirmos sobre a igreja, do que estes dias em que, de forma especial, relembramos a pessoa do Senhor Jesus em sua vida, morte, ressurreição e glorificação. Essas ocorrências que fortemente marcam a vida de Jesus estão, indissoluvelmente, ligadas à vida da igreja. Sendo Jesus a rocha sobre a qual repousam os fundamentos e a edificação da igreja, tudo em sua vida, todos os acontecimentos da sua vida têm especial sentido para a igreja.
Em Efésios 1.17-20, temos uma revelação sobre a igreja que Paulo nos traz em forma de uma oração: “o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força de seu poder; o qual exerceu em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as cousas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à Igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas”. O apóstolo mostra que a vida e a morte de Jesus, sua ressurreição e glorificação, e a existência da igreja são partes integrantes de todo o projeto eterno que Deus estabeleceu para a salvação e reconciliação do homem com ele na pessoa de seu Filho.
Enfatizamos, de início, que a igreja não é uma ideia tardia de Deus, visando remendar a precária situação em que o homem se colocou. Desde a eternidade, mesmo antes da fundação do mundo, Deus já designara o rumo e o tempo dos acontecimentos que envolveriam a vinda de seu Filho. Tendo isso bem presente diante de nós, iremos convir que a obra de Jesus e a realidade da igreja resultam da sabedoria e soberania de Deus sobre todas as coisas e de seu profundo interesse pela salvação do homem.
Nesse texto de Efésios que lemos, há uma palavra-chave para dizer o que é a igreja. A palavra é “chamamento”. Esse vocábulo a define com exatidão. Ela é o resultado de um “chamamento” que Deus faz. Deus chama vidas para se reconciliarem com ele e, as que respondem ao chamado, ele as reúne em um organismo – a igreja. Interessante é que a palavra “igreja”, que temos em nossa língua, é a transliteração da palavra grega “ekklesia”. Essa palavra deriva-se da preposição “ek” (para fora) e “kaleo” (chamar), significando, portanto, “chamados para fora”. A igreja é formada por aqueles que foram chamados para fora do mundo das trevas e que foram separados para o Reino de Deus. A palavra sugere, ainda, convocação, assembleia, reunião.
Amemos a igreja de todo o nosso coração, pois ela é o chamado divino para participarmos de sua família eterna. A igreja, portanto, não é uma criação humana. Ela não é um invento terreno. Não foram os discípulos de Jesus que a estabeleceram – o que nos poderia levar a pensar que a igreja depende de nossas decisões e, conseqüentemente, que podemos administrá-la, tendo-a como uma empresa humana, como, infelizmente, se vê, hoje, com forte evidência, em muitos dos seus ramos. A igreja surge de um chamado que Deus faz e de uma resposta que damos a ele, no sentido de passarmos a viver inteiramente comprometidos com ele.
Curvemo-nos, pois, diante da realidade de que a igreja nasceu no céu e que o seu legítimo governo emana do trono celestial. De uma forma determinada, há toda uma programação no Santo dos Santos de Deus para a igreja. É a esse plano divino que devemos estar atentos. É esclarecedor o que diz o texto de I Coríntios 2.7: “falamos a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glória”. Paulo ensina que a sabedoria de Deus foi revelada, encarnada, tornando-se acessível a nós na pessoa de seu Filho Jesus Cristo. Essa sabedoria, outrora encoberta, oculta, mas agora revelada, expressa o amor infinito de Deus para conosco. Isso nos atinge incisivamente, pois o texto afirma que a pré-ordenação da igreja, estabelecida desde a eternidade, foi, também, “para nossa glória”. Pensando na pessoa de seu Filho e, também, em nós, Deus pré-determinou a existência da igreja.
No texto de Efésios já citado, o apóstolo intercede para que nos seja concedido o espírito de sabedoria e de revelação para conhecermos aquele que nos chama, e que os olhos de nosso coração sejam iluminados para conhecermos a esperança que há no chamado que nos é feito e, ainda, que conheçamos a gloriosa riqueza da herança que receberemos. Creio, firmemente, que a primeira parte dessa herança que Deus tem para os santos já a recebemos aqui. A herança que já desfrutamos é a igreja. Louvamos a Deus porque a temos! O texto, logo adiante, diz-nos que Deus colocou Cristo para ser o cabeça de todas as coisas, e o deu à igreja. Cristo Jesus é o soberano governador sobre a igreja, não por uma escolha humana, por uma decisão de um concílio, mas por uma determinação de Deus. suprema a igreja, Cristo busca imprimir nela a sua natureza, para que todos os que a compõem sejam conformes à sua imagem (Romanos 8.29). E é Cristo que os capacita para que, expressando a sua vida, proclamem ao mundo a obra reconciliadora que Deus quer ter com ele.
Como autoridade, esse texto afirma, também, que há uma força, um poder de super grandeza, que opera na igreja e que, não consequentemente, atinge a cada um de nós, pois somos membros dela. Essa força é o mesmo poder que operou na ressurreição do Senhor Jesus, fazendo-o sentar à direita do Pai, no trono de governo sobre todas as coisas. O poder que sustenta a igreja, que a vivifica, é o poder que operou na ressurreição de Jesus, poder que deu fim definitivo ao reino da morte e instalou definitivamente o reino da vida eterna. Ressurreição é vida e vida vivificante! sobre o texto de Romanos 4.25 tem uma preciosa declaração: “JESUS, NOSSO SENHOR, O QUAL FOI ENTREGUE POR CAUSA DAS NOSSAS TRANSGRESSÕES E RESSUSCITOU POR CAUSA DA NOSSA JUSTIFICAÇÃO”. Na cruz, Jesus chamou-nos para o Pai; na ressurreição, devolveu-nos à vida que permanece para sempre. A igreja congrega os que respondem ao chamado da cruz e são justificados pelo poder da ressurreição.
Fazemos essa reflexão porque desejamos que todos lembrem que a igreja possui uma natureza que transcende o que, muitas vezes, se pensa sobre ela. Em toda a história da igreja, houve banalizações sobre o que ela é e minimização de seu valor eterno. Isso resultou haver na igreja, repetidas vezes, a prepotência de vaidades, lutas de poder, tragédias, e até mesmo assassinatos e crimes. Tudo como resultado do desconhecimento e ignorância do que a igreja significa para o nosso Deus. Mas, por outro lado, é graças ao nosso querido Pai que vemos, ao longo dessa mesma história, a existência de uma parcela da igreja consciente do que ela é, da sua real missão – igreja pura, fiel, santificando-se sempre, dependente da graça e da orientação do Alto, buscando cumprir a missão para a qual foi instituída. Creio que é nesse viver da igreja fiel que todos nós queremos permanecer.
É bom lembrar que a igreja que os homens edificam, esquivando-se dos parâmetros de Deus, deixa de ser a igreja do Senhor Jesus, ficando sob condenação divina. Entretanto, a parte da igreja que é conscientemente fiel àquele que a edifica, que tem perseverança e suporta provas por causa do nome de seu Senhor, a essa é dada “que se alimente da árvore da vida que se encontra no paraíso de Deus” (Apocalipse 2.7). Malaquias, porta-voz de Deus, profetizou à igreja distanciada do Senhor, dizendo-lhe: “pisareis os perversos” (Malaquias 4.3). Enquanto anuncia à igreja fiel: “Mas para vós outros que temeis o meu nome nascerá o sol da justiça, trazendo salvação nas suas asas” (Malaquias 4. 2,3).
A igreja está, hoje, diante de uma encruzilhada: ou segue pelo caminho largo de suas prevaricações, ou endereça-se pelo caminho estreito, obedecendo ao seu Senhor. Continuando no caminho largo, onde se alimenta do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal – fruto que gera desobediência, ela chegará ao ponto determinado: morte! Seguindo o caminho estreito, difícil, tantas vezes penoso, ela se alimentará da Árvore da Vida que lhe dará o precioso fruto produtor da existência que permanecerá para sempre. O texto que citamos, Efésios 1.22,23, afirma-nos que Deus não só ressuscitou a Jesus, fazendo-o sentar em lugares celestiais, mas, também, “pôs todas as cousas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as cousas, o deu à Igreja, a qual é o seu corpo”. O Jesus que foi morto e ressuscitou não é mais o humilde nazareno sujeito aos julgamentos e às condenações humanas. Ele é o Cristo vitorioso, que pisou a cabeça da serpente! Hoje, o universo inteiro lhe está sujeito. Ele se levanta como aquele que está acima de tudo e de todos. O Cristo vitorioso, ao qual tudo está sujeito, é a cabeça da igreja! Se perguntarmos: “o que é a igreja?”, creio que a melhor resposta seria: é o corpo vivo, na terra, daquele que é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores! Exultemos, pois todos nós somos membros desse corpo cuja cabeça é Jesus Cristo, o Filho eterno de Deus, que reina desde os lugares celestiais!
Quando Jesus esteve corporalmente no mundo, não havia igreja. Ele apenas prometeu: “edificarei a minha igreja” (Mateus 16.18). Mas quando venceu a morte, ressuscitando, ascendendo aos céus e sendo glorificado, nessa posição ele pode derramar o Espírito Santo, promovendo o surgimento da igreja. O Senhor ressuscitou, e a igreja tornou-se o seu corpo no mundo. Estamos, todos nós, conscientes da grandeza desta realidade para a qual a igreja foi criada? Ela foi estabelecida para ser, na terra, o corpo vivo do Senhor Jesus Cristo! Assim, se o mundo quer conhecer Jesus, ele precisa conhecê-lo através daqueles que compõem a igreja. Se o único caminho para o homem chegar a Deus é Cristo, o único caminho, no mundo, que pode levar o homem a Cristo é a igreja. Eis, quão grande é a missão da igreja!
Notemos o que Efésios 1.23 diz, ainda, sobre a igreja. Ela é “o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas”. O que isso significa? Indica que a igreja, aqui na terra, é a depositária de tudo o que o Senhor Jesus é. Tudo o que Cristo é está colocado na igreja, para que a igreja o expresse. Sendo Jesus a cabeça da igreja, tudo nela está sob sua direção e ele a enche totalmente com a sua vida e com a força de seu poder, para que ela o possa expressar ao mundo. Nenhuma outra instituição na terra pode ser o que a igreja é. Nenhuma outra entidade pode ter o que ela possui. Ela contém a plenitude daquele que “a tudo enche em todas as coisas”. Como a cabeça do corpo, Jesus é o gerador e transmissor do poder e da força que coloca o corpo em movimento, para que possa realizar o propósito para o qual ele está presente no mundo.
Há uma declaração em I Coríntios 12.13 que afirma: “E a todos nós foi dado beber de um só Espírito”. Esse Espírito é aquele que, num abençoado dia, veio residir em cada um de nós, membros do corpo. É ele que nos unifica para que o corpo esteja plenamente formado, vivendo na posse da plenitude de Cristo. Somente quando a igreja está revestida da plenitude de Jesus é que ela pode comandar corretamente todas as situações que se lhe apresentarem. Ah! Irmãos, quanto a igreja tem ignorado esse seu potencial! Por essa razão, a igreja não tem feito grandes progressos. Se compreendermos e vivermos a realidade de que a igreja é a receptora do poder que ressuscitou Jesus e que ela contém a sua plenitude, daremos grandes passos na implantação do Reino de Deus. O poder da ressurreição é vida. Cristo é vida. A igreja é a plenitude de sua vida. E, por estar na posse dessa plenitude de vida, que recebeu de Jesus, tem em suas mãos, as chaves do reino dos céus, assim “as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. E tudo “o que ligares na terra será ligado nos céus; e o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mateus 16.18,19). Quando a igreja tomar consciência da plenitude da vida ressuscitada do seu Senhor que está nela, alcançará as maiores vitórias.
Oremos: Querido Senhor, nós te louvamos e agradecemos porque prometeste: “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mateus 18.20). Estamos conscientes de que estás aqui conosco, pois somos a igreja que se reúne em teu nome. Estamos abertos ao teu ensino. Traz-nos, hoje, maior revelação do poder com o qual tu revestiste a tua igreja. Faz a tua igreja consciente da plenitude da presença de teu Filho nela. Amém.
A IGREJA GERADA DO SOFRIMENTO DE JESUS
O evangelho de João é o único que narra um detalhe importante da crucificação de Jesus. Ele esclarece que um dos soldados ali presentes abriu o lado de Jesus com uma lança, de onde saiu sangue e água (João 19.34). E, para que não ficasse nenhuma dúvida sobre esse fato, o Espírito Santo levou o evangelista a declarar: “Aquele que isto viu testificou, sendo verdadeiro o seu testemunho; e ele sabe que diz a verdade, para que também vós creiais” (v 35). Por que o Espírito quis deixar, de forma tão enfática no texto, esse derramar de sangue e água? Porque aqui estão, justamente, dois elementos que geraram e sustentam a igreja na terra. A igreja não existiria se o sangue de Jesus não fosse derramado. A cruz precede o surgir da igreja na terra, pois é preciso que existam remidos para que ela se forme. O sangue remiu o homem e o justificou diante de Deus. Justificado, o homem passa a ser um membro no corpo de Cristo.
A água é outra necessidade para a existência do corpo. Ela lhe transmite vida e purifica-o. A água que saiu do lado de Jesus expressa que ele é “o manancial de águas vivas”, como diz Jeremias 2.13. O Senhor, falando sobre si mesmo, disse: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (João 7.37,38). Jesus é essa água viva que flui do interior de todo aquele que crê. O salmo messiânico que narra de forma exata os sofrimentos de Jesus na cruz põem em seus lábios a expressão: “Derramei-me como água” (Salmo 22.14). Jesus derramou-se como água na cruz para que seu corpo na terra, a igreja, tivesse a plenitude de sua vida. O sangue formou um povo remido; a água deu-lhe vida e perpetua-o! É interessante observar que Jesus começou a falar abertamente aos seus discípulos sobre sua morte somente após declarar que ele edificaria a sua igreja. Ambas estão ligadas a fundo. As boas novas da salvação que partem da cruz precisavam ser comunicadas ao mundo através de um veículo vivo. Assim, a igreja foi instituída para ser esse condutor vivo. Ela é um corpo formado por muitos membros, “bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte” diz Efésios 4.16, possuindo plenitude de vida que flui como rios de águas vivas.
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Escrito por: Erasmo Ungaretti – Janeiro de 1976
Pastor na comunidade de discípulos em Porto Alegre.
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