Depois das muitas lágrimas e da fervente oração, ocorre a Ana fazer um ato extremamente ousado, um voto ao Senhor: “Senhor dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e lhe deres um filho varão, ao Senhor o darei por todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha” (I Samuel 1.11).
Usando um elemento importante a quem ora, foi específica: pede um filho varão! Assim deve ser toda petição, bem clara, bem definida. Deus não é Deus de generalidades, ele espera que o pedido feito seja exatamente aquilo que queremos alcançar. A estéril quer um filho! É exatamente isso que ela está pedindo! Ela quer ser contada com as mulheres abençoadas com a graça da maternidade.
Mas Ana vai mais além, pede um filho para dedicá-lo totalmente ao Senhor. E isso seria “por todo os dias de sua vida”. Por nascimento o menino seria um levita, mas pelo voto de Ana ele seria mais do que isso, seria um nazireu. (Nota: O voto de nazireu é uma especial consagração a Deus que alguém faz espontaneamente. Isso lhe exigirá abstenção de vinho ou bebida alcoólica, não podia comer uva fresca ou seca; não cortaria o cabelo e se preservaria da contaminação cerimonial, como não tocar em um cadáver. Isso durante um período que determinasse, ou por toda a vida). Ana determinara: “por todos os dias de sua vida”. Segundo Números 30.10- 12, Elcana, seu marido, poderia anular este voto. Mas ele não contrariou o que a sua esposa consagrara. Ele a amava e sabia o valor de decisões tomadas por uma pessoa inteiramente temente a Deus.
Ana mostra-se perseverante: “demorando-se ela no orar perante o Senhor” (I Samuel 1.12). Esta também é uma advertência apostólica sobre a oração que devemos acatar: “não se interrompam as vossas orações” (I Pedro 3.7), “na oração, perseverantes” (Romanos 12.12). Se nós queremos receber o “amém” de Deus à nossa súplica, é diante dele que devemos permanecer. Se Deus tem tempo para nós, muito mais nós devemos ter tempo para ele. Lembremos da declaração de Lutero: “Se o meu trabalho se avoluma, redobro meu tempo de oração”!
Concluído o voto, tudo passa a ser calmo na alma de Ana. Sempre que o problema é deixado nas mãos do Senhor. segue-se a bonança do espírito! “Porquanto Ana só no coração falava; seus lábios se moviam, porém não se lhe ouvia voz nenhuma” (Samuel 1.13). A certeza de ser ouvida pelo Pai dispensa qualquer outra palavra! Assentado junto ao pilar do lugar dedicado ao culto ao Senhor, estava Eli, o sacerdote. Dali ele via Ana e observava a maneira estranha como ela orava. Imagina que ela está embriagada e, ao dirigir-se a ela, pergunta: “Até quando estarás tu embriagada? Aparta de ti esse vinho”. Ah! Quantas ocasiões a embriaguês com o Espírito Santo tem levado as pessoas a pensarem da forma como o sacerdote o fez. No dia de Pentecostes, em Jerusalém, alguns pensaram, também, dessa mesma forma. Interessante o que ocorreu com Ana: um pouco antes, seu esposo a advertiu para comer e beber, agora o sacerdote a repreende-a como se ela tivesse bebido até embriagar-se.
A resposta de Ana ao sacerdote é a mais significativa que encontramos nesta parte do texto: “venho derramando a minha alma perante o Senhor” (I Samuel 1.15). Quantas vezes temos feito isso? O salmista aconselha que assim façamos: “confiai nele em todo o tempo; derramai perante ele o vosso coração; Deus é o nosso refúgio! (Salmo 62.8).A palavra do sacerdote dirigida a Ana: ”Vai-te em paz”, soa-lhe como uma bênção, pois é pronunciada por aquele que é a sua autoridade espiritual. Ana se retira sabendo que a sua súplica foi ouvida. O texto assim atesta: “e o seu semblante já não era triste” (i Samuel 1.18).
A apropriação do fato que Deus responderá à oração feita é um elemento importante, pois com ela declaramos nossa total confiança naquele a quem pedimos –“De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hebreus 11.6). Ana sabia perfeitamente que “muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” (Tiago 5.16).Agora Ana pode se alimentar: “Assim, a mulher se foi seu caminho, e comeu, e o seu semblante já não era triste” (I Samuel 1.18). Abster-se de alimento é próprio par um período de busca dos recursos de Deus. O filho de Ana, Samuel, em seu ofício de Juiz, conclamou o povo, antes da batalha com os filisteus, a reunir-se para jejuar e orar buscando o auxílio de Deus ((I Samuel 7.6). Ele sabia usar esse recurso. Depois do tempo de tristeza e jejum, Ana podia comer, pois após toda a vitória vem a hora da alegria. E, em geral, o alimento sempre acompanha os momentos de prazer!Antes de retornarem à sua cidade, Ana e Elcana não deixaram de fazer o que sempre deve seguir a uma resposta de Deus – “e adoraram perante o Senhor” (I Samuel 1.19). É muito comum orar ao Senhor, ter a resposta e não se ter o devido reconhecimento. É fácil pedir, o difícil e demonstrar gratidão! É fácil receber a doação e esquecer o doador!
Expressivo é o texto ao dizer: “Elcana coabitou com Ana, sua mulher, e, lembrando-se dela o Senhor, ela concebeu e passando o devido tempo, teve um filho” (I Samuel 1.19,20). Eis um leito sem mácula, pois não só estavam cumprindo um mandamento de Deus, mas, não esqueceram de fazê-lo, lembrando-se de Deus como o único que é doador da vida, e que cumpre suas promessas. Eles foram apenas colaboradores de Deus nesse novo ato de criação de um novo ser.
Ana é excepcional! Nascida a criança, ela remete seu pensamento a Deus: “do Senhor o pedi”, o que equivale a dizer: “a misericordiosa bondade do Senhor respondeu a minha prece”. Isto é reconhecimento! Isto é gratidão! O texto de Eclesiastes ensina: “Quando a Deus fizerses algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos. Cumpre o voto que fazes. Melhor é que não votes do que votes e não cumpras” (Eclesiastes 5.4,5). Ana podia ter raciocinado: “este foi um voto precipitado, minhas emoções estavam descontroladas”, até mesmo podia pedir para o seu marido anulá-lo, mas não o fez. Ana esperou desmamar o menino, preparando-o para a nova vida que teria junto ao sacerdote Eli. Como mãe temente a Deus, certamente incutiu nele o conhecimento de Deus e as obrigações que teria no tabernáculo.
No tempo apropriado, pai mãe e filho sobem a Silo (a cidade de Arimatéia do Novo Testamento). Cumpriram a Lei cerimonial: “imolaram o novilho e cumpriram a promessa – “trouxeram o menino a Eli” (I Samuel 1.25). Dedicaram o menino ao Senhor. É bom notar a palavra “dedicar”, empregada aqui, no original quer dizer literalmente “entregar”. Podemos lembrar o voto de Ana: “Ao Senhor o darei por todos os dias da sua vida” (I Samuel 1.11). Ela cumpriu integralmente o voto feito: deixou o menino entregue ao sacerdote.
Naquela entrega, Elcana e Ana, em Silo, achavam-se como José e Maria, em Jerusalém, em frente a um sacerdote, consagrando seu menino ao Senhor (consagrar é tornar sagrado, separado, santificado para Deus). Esse é um ato que todo casal deveria fazer com sincera alegria, entregar o filho para pertencer inteiramente ao Senhor que, com alto preço, antes da fundação do mundo, já o comprou para ele.
Ana não esquece de relembrar ao sacerdote que era por este menino que orava um dia ao Senhor ali no tabernáculo – “o Senhor me concedeu a petição que eu lhe fizera’’ (I Samuel 1.27). Ana, com isso, fez algo que sempre deveria ocorrer ao termos nossa petição respondida: dar testemunho do fato. Como é bom ler a declaração que segue no texto: “E eles adoraram ali o Senhor” (I Samuel 1.28).
Neste cântico de Ana podemos apreciar seu júbilo e a exaltação que faz ao Senhor. Ela não esquecia seu dever de em tudo dar graças. O texto diz que ao orar, no dia em que fez o voto só o seu coração falava, não tinha mais palavras. Mas agora explodem as palavras numa sequência ininterrupta de glorificação à pessoa e aos atos de Deus. Ana revela no cântico uma notável percepção da sabedoria que há na providência de Deus. Celebra a santidade, o conhecimento, o poder e o juízo do Senhor (I Samuel 2.2,3,810).
Como Isabel e Maria, Ana celebra a alegria da maternidade. Algumas pessoas vêem uma semelhança entre o “”Magnificat” de Maria (Lucas 1.46-55) e este “Exultavit” de Ana. Se há semelhança é porque ambas celebram o mesmo fato e ambas possuíam o mesmo Espírito que as inspirava. Ambas tinham perfeito conhecimento do amor de Deus que as envolveu, e foram gratas a ele.
Há um detalhe a ser notado neste cântico, Ana exalta o Rei – “o Senhor dá força ao rei e exalta o poder do seu ungido” (I Samuel 2.10). Muitos perguntam como pode ser isso, se ainda não havia rei em Israel? É que o cântico de Ana também tem esta expressão profética: ela apresenta o que Deus realizará com o Messias, o Rei esperado de Israel. Ela canta a força e o poder daquele que um dia virá. Ana antevia e profetizava a vinda do Senhor Jesus!
Ana também tinha experiência do que cantou: “Ele guarda os pé dos seus santos” (I Samuel 2.9). Bíblicamente “santos” são aqueles que se separam para o Senhor. Ela pertencia a essa categoria e sabia que os seus pés foram guardados para que andasse nas veredas do Senhor em meio a tantos dissabores, incompreensão e falta de amor dos outros para com ela na sua situação de estéril. Agora pode exaltar com júbilo: “até a estéril tem sete filhos” (I Samuel 2.5), reconhecendo que tudo é obra do Senhor.Após o texto nos leva dos altos píncaros do louvor de tão inspirado cântico, ele vai nos fazer descer à escuridão moral em que atuavam os filhos do sacerdote Eli. É trágico o que lemos sobre eles (I Samuel 2.12-17 e 22). Eles eram homens tão perto da igreja e tão longe do Senhor da igreja. O texto afirma: “Não se importavam com o Senhor” (I Samuel 2.12). Homens do altar e displicentes com o Senhor do altar. Uma outra tradução desse mesmo texto diz: “não conheceram o Senhor”. Quão trágico é ser religioso e não conhecer o Senhor da fé! Quão pobre é aquele que está, todos os dias, diante do altar e não sabe estar ai em contínua vida de oração ao Senhor!
As vitórias na vida de Samuel partem das orações de sua mãe e das que ele fez abundantemente; enquanto as derrotas dos sacerdotes, filhos do sacerdotes, foram causadas pela falta de dedicação em estar na presença do Senhor em oração.
Imagino com que preocupação em seu coração Ana deixou o menino Samuel com o sacerdote. Que formação daria ao seu filho aquele que não soube educar os seus? Mas Ana não olha para Eli, entrega-lhe Samuel porque é a ele que tem de fazer, mas seus olhos estão naquele de quem falou em seu cântico: “porque o Senhor é o Deus da sabedoria e pesa todos os feitos na balança… ele guarda os pés dos seus santos” ( I Samuel 2.3,9).
Ela sabia que seu filho conhecera o Senhor através de tudo o que lhe ensinara. Esperava, entretanto, que ele pudesse ter a experiência pessoal com o Pai Celestial. Então ele saberá ouvir quando o Senhor lhe falar. Mas, certamente Ana redobrou suas orações em favor do “menino que ficou servindo ao Senhor” (I Samuel 2.11).
A mãe que à distância orava era a mãe que tecia as túnicas para o seu Filho e as trazia quando vinha fazer os sacrifícios anuais. Podemos vê-la sorridente, vendo o menino com sua pequena túnica e estola sacerdotal, compenetrado, oficiando junto ao sacerdote. “Samuel ministrava perante o Senhor, sendo ainda menino, vestido de uma estola sacerdotal de linho” (I Samuel 2.18).“Mas o jovem Samuel crescia em estatura e no favor do Senhor e dos homens” (I Samuel 2.26). Eis o resultado de uma piedosa senhora estéril que não se deixou abater pelas circunstâncias e nos dá o mais claro exemplo de que se pode alcançar com uma vida de oração.
Cremos que o Espírito Santo colocou nas Escrituras a pessoa de Ana com um objetivo grandemente didático. Jesus disse que uma das funções do Espírito Santo é: “esse (o Espírito Santo) vos ensinará todas as coisas” (João 14.26). Aprendamos com ele a ter a riqueza de uma vida de oração e os serviços que, intercedendo, podemos prestar ao nosso próximo”. Amém!
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Escrito por: Erasmo Ungaretti – Janeiro de 1976
Pastor na comunidade de discípulos em Porto Alegre.
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